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Será que a minha criança é seletiva?

Bebé Foodie

Atualizado: 19 de out. de 2024

Após os 12 meses é normal sentir algumas alterações no padrão alimentar dos bebés/crianças, e é também após esta altura que tendem a surgir as maiores dificuldades para os pais.


Passamos de bebés interessados pela alimentação e que experimentam tudo, a bebés/crianças sem grande interesse nos alimentos, que deixam de querer comer o que antes comiam bem, que comem menos do que os pais consideram que seria adequado, o que costuma causar preocupação e alguma ansiedade nos pais e tornar a hora das refeições um autêntico campo de batalha.


Aqui torna-se importante que os pais saibam diferenciar a típica fase da anorexia fisiológica, que por ser fisiológica considera-se uma ocorrência “normal” nas crianças, de seletividade alimentar, que também pode ser fisiológica, mas pode ter uma explicação evolutiva e ser muito mais complexa do que aparenta.





No caso da anorexia fisiológica, esta costuma surgir após o primeiro ano de idade por consequência de uma desacelaração na taxa de crescimento das crianças, comparativamente com os primeiros 12 meses de vida. Ou seja, como são necessários menos nutrientes e energia por kg de peso corporal, o corpo das crianças reage com diminuição do apetite e perda de interesse pela alimentação. Nesta idade, temos paralelamente um maior desenvolvimento motor e cognitivo da criança, com o início da marcha e linguagem, o que acaba por concorrer também para esta perda de interesse pelos alimentos e ganho de interesse pelo ambiente que as rodeia. No entanto, esta é uma fase passageira e pode ocorrer mais cedo ou mais tarde consoante o desenvolvimento da criança.


No caso da seletividade alimentar, esta pode começar a desenvolver-se na mesma fase que a anorexia fisiológica, mas não é causada pelas mesmas coisas e tampouco é passageira, pois sem intervenção a tendência é mesmo para agravar com o decorrer da infância. Desta forma, podemos caracterizar a seletividade alimentar por:


  • Preferência por um número de alimentos restrito (ou seja, comer poucos alimentos diferentes);

  • Preferência por grupos alimentares específicos com recusa de outros (por exemplo, comer bem alimentos do grupo dos cereais e do grupo das frutas e recusar alimentos do grupo dos hortícolas);

  • Neofobia alimentar (ou seja, recusar experimentar alimentos diferentes);

  • Preferência por alimentos preparados de forma específica (por exemplo, comer salmão grelhado com massa se estiverem separados no prato, mas não se estiverem misturados);

  • Preferência por alimentos de marcas específicas (por exemplo, comer iogurtes naturais da Mimosa e recusar iogurtes naturais de outras marcas);

  • Aversão a determinados tipos de texturas (por exemplo, crocantes, escorregadias, granuladas, etc);

  • Aversão a determinadas cores de alimentos (por exemplo, o verde é associado ao sabor amargo dos hortícolas, portanto alimentos verdes são frequentemente recusados só pela cor);

  • E, geralmente, muita ansiedade e necessidade de controlo sobre a hora de refeição.



Mas porque é que isto acontece em algumas crianças e em outras não?

Podemos ter várias causas para este comportamento seletivo relacionado com a alimentação. Por exemplo, uma diversificação alimentar pouco variada e que não deu oportunidade à criança de explorar diferentes sabores e texturas pode resultar numa criança com comportamentos seletivos no futuro, tal como alguns problemas relacionados com a mastigação, deglutição e dentição podem estar na raiz destes comportamentos e requerem avaliação por um profissional de saúde especializado, como o pediatra, o terapeuta ocupacional e o terapeuta da fala.

No entanto, a causa para estes comportamentos pode ser muito mais intrínseca à criança do que o que os pais geralmente acreditam. Podemos ter 2 crianças irmãs na mesma casa que são educadas da mesma forma, expostas aos mesmos alimentos (na diversificação alimentar e depois) e expostas ao mesmo ambiente, que têm comportamentos completamente diferentes uma da outra no que diz respeito à alimentação. E não, não é “apenas teimosia” ou “necessidade de atenção” por parte das crianças.


A causa para crianças com seletividade alimentar pode mesmo ser um mecanismo de sobrevivência inerente à criança e que pode ser explicado pela base evolutiva do ser humano. Quando os nossos ancestrais precisavam de encontrar alimentos diferentes para comer, alguns experimentavam primeiro o alimento para perceber se era seguro, para depois os restantes comerem caso não houvesse sintomas de envenenamento nos primeiros. Portanto, de uma perspetiva evolutiva, alguns de nós evoluíram para serem “corajosos” com a alimentação e quererem experimentar tudo, e outros de nós evoluíram para só comerem aquilo que têm a certeza que é seguro para comer. E da mesma maneira, temos crianças que são naturalmente tranquilas com a alimentação e que gostam de experimentar vários alimentos diferentes, e outras que são naturalmente ansiosas e controladoras com os alimentos e que muitas vezes experienciam determinados sabores de uma forma muito mais intensa que as outras (ou seja, um sabor amargo numa criança sem seletividade alimentar é só um sabor amargo, já numa criança com seletividade alimentar, um sabor amargo pode ser experienciado como algo verdadeiramente aterrador).


E por serem características inerentes às crianças, ou seja, que nascem com elas, é importante os pais perceberem que não são características que elas consigam racionalmente controlar. Não chega os pais sentarem-se com as crianças e explicarem que determinados alimentos são importantes para elas e são seguros. As crianças não se importam com a saúde, e para estas crianças em particular elas são felizes e contentam-se com os poucos alimentos que comem. Portanto, embora seja muito frustrante para os pais e cuidadores, estas são crianças que exigem mais paciência e dedicação do que o normal na hora da refeição. 


Então, o que é que os pais podem fazer para melhorar a alimentação de crianças seletivas?


A fazer:

  • Deixem as crianças comer os alimentos que elas gostam e aceitam;

  • Deem o exemplo e comam outros alimentos que elas não aceitam em frente às crianças, sem lhes causarem pressão para fazerem o mesmo;

  • Envolvam a criança na preparação dos alimentos, permitindo que ela os veja, toque e cheire;

  • Brinquem com os alimentos com a criança (podem utilizar os alimentos que elas menos gostam para criarem animais ou podem associar um alimento a algo que elas já conhecem e gostam, por exemplo, associar uma abóbora a uma bola de basquete ou um brócolo a uma árvore);

  • Exponham a criança de forma repetida a alimentos que ela não gosta ou aceita, em pequenas porções, perto dos alimentos que ela gosta e aceita, mas sem lhes tocar (um prato com divisórias pode ser uma boa ajuda).


A não fazer:

  • Não incitem ou façam pressão para a criança comer um determinado alimento, isso vai provavelmente causar a reação oposta;

  • Não tentem coagir ou forçar a criança a comer um determinado alimento, isso vai causar ainda mais ansiedade à hora das refeições;

  • Não subornem a criança, isso não vai fazer com que ela perca o medo dos alimentos que ela recusa comer;

  • Não escondam alimentos que a criança não aceita em alimentos que a criança aceita (por exemplo, esconder hortícolas numa lasanha), porque na melhor das hipóteses a criança vai separar os legumes e comer o resto da lasanha, mas na pior das hipóteses ela nunca mais vai querer comer lasanha porque perdeu a confiança na segurança desse alimento;

  • Não entrem em pânico, porque é possível melhorarmos os comportamentos de seletividade alimentar.


Faz sentido agendar uma consulta de nutrição pediátrica no caso de terem uma criança com seletividade alimentar?


Sim, a consulta de nutrição pediátrica é muito importante, pois crianças com seletividade alimentar podem fazer recusa de grupos alimentares importantes para o seu correto crescimento e desenvolvimento. Além disso, como é uma situação que tem tendência para agravar se não houver intervenção, um nutricionista especializado pode dar-lhe as ferramentas necessárias para impedir que a sua criança fique mais restrita e impedir que a seletividade se torne tão severa que evolua para ARFID (Avoidant/ Restrictive Food Intake Disorder), em português Distúrbio Alimentar Restritivo/ Evitativo (distúrbio em que as crianças têm problemas de crescimento e desenvolvimento por evicção de alimentos e nutrientes essenciais na sua alimentação). No caso de haver doença ou dificuldades oromotoras como causa de seletividade alimentar, é essencial o acompanhamento na pediatria e na terapia da fala, além do acompanhamento na nutrição.

 

Patrícia Vieira Ferreira

Nutricionista Bebé Foodie


 

 

 

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